- Meu Deus, que dia! Tudo o que eu mais quero é me atirar nos braços dele...

Este foi o primeiro pensamento que lhe ocorreu depois que se despediu dos colegas e apertou o botão térreo do elevador.

Aquela frase silenciosamente articulada, expunha todo o ímpeto com que tomara a sua decisão. Naquela noite não haveria mais volta, iria entregar-se novamente.

Foi uma decisão difícil para ela. Há quanto tempo vinha resistindo? Nem se lembrava mais. Durante este longo período em que se manteve distante, todos os seus atos vinham sendo rigorosamente calculados. Agia desta maneira porque sempre teve em mente propósitos muito maiores e que por si só justificavam tal distanciamento. De qualquer modo, ela estava consciente de que as coisas não seriam mais as mesmas depois que se desse por vencida. Mesmo assim não deixou de se sentir orgulhosa por até então, não ter infringido as regras de um pacto que há muito tinha feito consigo mesma. Tinha sido fiel e obstinada, isso ninguém poderia negar. Até aquele dia, até aquela noite... que aos poucos se aproximava.

Ela sabia que ele estaria lá à sua espera, pronto para saciar todos os seus desejos de mulher. Sempre fora assim, ele sempre esteve à disposição. Desde que se conheceram, ele a decifrava pelo olhar. Por um instante sentiu-se aliviada. O jeito de ser dele lhe pouparia de ter que dar maiores explicações. Pelo menos não naquela noite. Tudo o que ela queria era sentir prazer sem ter que dar satisfações a ninguém.

Ele era diferente de todos os outros. Era fiel, dava ótimos conselhos, era dócil, compreensivo, predispunha-se a ouvi-la, jamais discutia e aninhava uma mulher no seu colo como nenhum outro.

O colo dele, a propósito, era um capítulo à parte. Silenciosamente, ele oferecia aconchego e serenidade. Ali, sem sombra de dúvidas, era o refúgio mais secreto daquela mulher, o único lugar no mundo em que se sentia completamente à vontade para ser quem ela era e poder levitar em seus sonhos sem medo de ser acordada.

Nunca foi preciso sincronizar as agendas com ele. Sempre que ela precisou, ele estava lá, pronto para afagá-la. Não interessava hora, compromisso profissional, jogo de futebol ou aniversário de tia-avó; ele não pensava duas vezes, largava tudo e ia ao encontro dela.

Em contrapartida, inexplicavelmente, ela não se sentia na obrigação de agradá-lo. Era sim muito apaixonada por ele mas nunca lhe prometeu nada, nem mesmo fidelidade.

Além disso, não era preciso que ela ocupasse parte de seu tempo elaborando estratégias de sedução no intuito de trazer coisas novas para apimentar a relação. Por isso, ela não ficava preocupada com o esmalte que deveria usar, com a depilação que deveria fazer, com os quilos a mais ou a menos, com a calcinha que iria escolher, com os acessórios que imaginou comprar para que se divertissem. Tudo supérfluo. Irremediavelmente, ele estaria lá. Era fato mais do que notório que ele apenas a servia e isso era o suficiente para satisfazer a ambos. Ela era a sua Ama e ele o seu mais subserviente criado.

Ela também era uma mulher diferente de todas as outras. Era amante de rituais. Quando se encontravam, fazia questão de despi-lo vagarosamente. Era um deleite para aquela mulher explorar cada milímetro do seu objeto de prazer. Com o decorrer dos anos, devorá-lo com os olhos virou fetiche – ela precisava, sentia necessidade de primeiro contemplá-lo inteiramente nu para só depois passar a tocá-lo. Assim, dessa forma singular, eles provocavam um ao outro quando estavam a sós. Era um jogo. Não! Era uma dança... Um tango caprichosamente ritmado. Ele se exibia sem pudor, mostrando-se por inteiro e enaltecendo sua capacidade de proporcionar prazer imediato e sem limites. No fundo, sabia-se detentor de um dos gatilhos que despertavam os mais profundos desejos daquela mulher. E ela... Ahhh, ela era uma perfeita voyeur, deixava-se hipnotizar e ser conduzida por aquele momento.

Até recobrar a consciên... (cia)...

Tarde demais para ela. O transe já começara e a essa altura, o perfume dele já tomava conta do ambiente e penetrara suas narinas. Ele exalava todo o seu aroma inconfundível pelos poros. Era inebriante. Aquele cheiro a entorpecia por completo. Dos cinco sentidos de que dispomos, o da visão, até então o único explorado, já não era mais suficiente. Tornou-se raso, ínfimo. Ela queria muito mais. Queria ser preenchida de uma só vez por todos eles. Ela precisava tocá-lo. Precisava senti-lo derreter em seus lábios. Precisava ouvir os anjos tocarem suas liras ao presenciarem o seu deleite. Precisava sussurrar baixinho de tanto prazer.

- Maldito molho de chaves que se perde dentro da minha bolsa! – resmungou ela enquanto abria apressadamente a porta de casa.

Tão logo fechou a porta correu em direção a ele. Ansiosa por aquele momento, arrastou-o consigo para o sofá, onde sôfrega suspirou de saudade. O show estava prestes a começar.

Chovia e fazia muito frio lá fora. Ali dentro as paredes ferviam. Ela olhou para ele e sorriu. Seu destino estava selado. Era como tinha que ser. Ele era o seu amigo, seu companheiro e seu amante. Só ele a compreendia, só ele a completava. E era justamente por isso que seria eternamente grata àquela deliciosa barra de chocolate ao leite - mesmo que tivesse que quebrar o seu regime e arcar com duzentos gramas a mais.

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Se tem uma coisa que muito me irrita nessa vida (ok, várias coisas me irritam) é aquele papo insosso, aguado, superficial e ralo. Tão ralo quanto mingau talhado que não engrossa nem despejando um pacote de maisena na panela. Herdei esse jeitinho da minha mãe. De fato, não sei me alimentar das pessoas pelas beiradas. Sou ansiosa e imediatista na obtenção de respostas às minhas indagações. - . Objetiva demais. Direta demais. Sincera demais. - . Acabo exigindo o mesmo dos outros. Taí um-doze-avos dos meus erros.

Por não gostar de ser enrolada, acabei desenvolvendo uma completa aversão às verdades fatiadas (pela metade ou a terça parte delas, que seja...) ou mentiras mascaradas. Prefiro mil vezes que meu coração seja apunhalado mortalmente pela verdade, do que agonizar e morrer aos poucos envenenada pelas mentiras. Ponto. É como sei sobreviver. É como sei que o meu corpo encontra forças para lutar. É como sei que o meu cérebro reage positivamente. Certo? Errado? Não sei. No final das contas talvez eu seja, sim, o oposto daquilo que os outros esperam que eu seja.

E eu sou uma observadora contumaz. Uma teimosa elevada à centésima potência. E também sou ciumenta, desconfiada, blasé e implicante.
Em contrapartida, sou honesta, atenciosa, carinhosa, estou sempre de bom-humor e amo todas as músicas do U2.

Além ou apesar disso, não sou unanimidade em nenhum círculo social que eu frequente. Alguns me acham arrogante. Outros, pretensiosa. E, certamente, há os que me consideram uma chata. Paciência... Faz parte do meu show e eu não vivo para agradar a quem quer que seja. Aos que gostam de mim (que ótimo!) ofereço todo o meu afeto. Aos que desgostam (que pena!), que se esbaldem na minha indiferença.

Vai ver o meu jeito atrapalhado ‘atrapalhe’ tudo. Vai ver eu não saiba me expressar com desenvoltura. Vai ver eu interprete as pessoas inadequadamente. Vai ver as pessoas procurem em mim algo que eu não tenha. Vai ver eu mesma ainda não tenha descoberto quem eu realmente seja, para onde quero ir e pelo quê devo lutar. Se for assim, talvez eu precise começar do zero para aprender tudo de novo, especialmente sobre o amor.

Não sou espírita e não acredito em reencarnação. Mas se por acaso acreditasse, levantaria a hipótese de que estou vivendo no século errado, de que não pertenço a esse tempo. Sendo assim, numa rápida regressão, vamos partir do pressuposto de que eu pertença a uma época mais romântica e medieval. Época esta em que a princesa passa a vida inteira esperando pelo seu respectivo príncipe encantado e ele, assim que a encontra, reconhece naquele belo rosto o amor da sua vida. Ato contínuo, eles partem livres ou fugidos (whatever!) rumo ao castelo e vivem, monogamicamente, felizes para sempre ou enquanto durar aquele amor. Resumo da ópera: ninguém, nem nenhuma circunstância(!) ou lei, separa ou obriga um a ficar junto do outro por mais tempo do que o amor consegue fazê-lo. E se por acaso o amor deles se esvair e virar cinzas de vulcão (muito em moda hoje em dia), príncipe e princesa, nobres que são, terão como única obrigação notificar sua ex-cara-metade, recolher o seu brasão e seguir seu novo rumo. Facinho e honesto assim. Nobreza nesse caso, teria a ver com transparência, liberdade, caráter e honradez.

Já de volta a essa vida e a esse corpinho que me deram... nem tudo funciona como nos meus (meus!) contos de fada. Infelizmente, vivo numa época em que as circunstâncias(!) fazem diferença, em que os sentimentos são velados, em que as conveniências traçam rumos e os amores variam tanto quanto a cotação da bolsa de valores.

Eu não sei amar assim. Só sei amar daquele jeito, do jeito da princesa. E, justamente, por não saber amar nos moldes de hoje, acabo me lascando. Por amar demais do jeito antigo, vivo sonhando. Por acreditar nos sonhos, acabo me frustrando. Por me frustrar sempre, vivo me fechando.

Sou mulher de um único amor. Pelo menos um de cada vez. Poucos foram os homens que arrancaram um ‘eu te amo’ do meu âmago (bonito isso...) e esses poucos podem brindar à minha sinceridade.

Desde sempre não coleciono amores. Não coleciono paixões. Não coleciono fãs. Não preciso de ninguém para massagear meu ego. Não preciso testar meu poder de sedução perante estranhos. Não preciso usar de ‘verborragia’ para demonstrar minha inteligência. Não preciso usar meu corpo para conquistar alguém.

Apesar de tudo acredito no amor. Ponto. Sei e sempre soube dar valor às pequenas coisas que representam um amor infinito. - Um pingente de coração que se carrega como amuleto. Uma tatuagem que se faz. Um livro que se lê. Uma ou dez chamadas não atendidas. Um par de anéis que se troca. Uma música que se deixa gravada na secretária eletrônica do outro. Um vídeo pedindo para voltar. Um hotel que se eterniza. Um abraço que arranca lágrimas. Um blog que acomoda sonhos em comum. Um par de sapatos que se compra para agradar.

Sobretudo, acredito nas palavras ditas do coração para fora e nos sentimentos emoldurados do coração para dentro. Acredito nas palavras que condizem com os atos. Acredito no que se desabafa quando não se parece mais agüentar. Acredito na química da pele contra pele. Acredito no encontro de almas. Acredito na vontade que abdica do resto e faz acontecer. Acredito que ninguém é obrigado ao que não quer. E desconfio – muito – do que se escreve numa tela que, inanimadamente, aceita qualquer coisa.

Para encerrar...

Não acredito em signos e horóscopos de jornais. Não acredito em amores platônicos nem em amores predestinados. Não acredito em homeopatia nem em acupuntura. Não acredito em macumba, muito menos em tarô de Marselha. Não acredito em duendes, fadas e gnomos. Não acredito em destino imutável e acasos programados. Mas respeito todas as crenças. Acredito, acima de tudo, no amor que dura uma vida inteira e que tudo supera; ao mesmo tempo em que sigo, convictamente, desconfiando das paixões que se renovam ou não a cada solstício amoroso. E vice-versa.

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Nem sempre caminhar em direção à luz é uma boa idéia. Os mosquitinhos da luz que o digam...
Um amigo me contou que eles vivem apenas algumas horas. Nascem e imediatamente correm alucinados em direção às lâmpadas para lá procriarem e morrerem logo em seguida.
Curioso é que eles andam na contramão de um comportamento que é característico da maioria dos insetos: são atraídos pela luz, ao invés de se esconderem dela.
E já que com eles o ritual de vida e morte acontece assim, pergunto: será que eles já nascem tendo conhecimento do que o destino lhes reserva e simplesmente aceitam sua missão?
Ou será que não conseguem resistir às tentações de calor e luminosidade e se atiram sem saber que um triste fim lhes aguarda?
Quem sou eu para questionar os desígnios do Criador, mas não deixa de ser romanticamente trágico.
Ai, ai, o quão frágil e fugaz pode ser o amor de uma criatura.
Juntando uma coisa à outra, não pude deixar de fazer uma analogia banal e refletir sobre o mal que fazemos a nós mesmos quando nos deixamos cegamente magnetizar por alguém ou alguma situação.
De certa forma, toda pessoa que se deixa orbitar em torno de alguma coisa que a hipnotiza, à semelhança dos mosquitinhos da luz, se torna dependente deste cenário e, consequentemente, de uma satisfação ou de um resultado que só ela ainda acredita que possa vir dali.
Tonta e sem enxergar um palmo à sua frente, não raramente, a pessoa desperdiça uma vida inteira borboleteando na frente de um holofote sem sair do lugar.
Ser um mosquitinho da luz na vida real pode ser tão dramático quanto na vida animal.

Graças a Deus que não somos insetos e nos foi concedido o livre-arbítrio. O que nos dá tempo de sobra para nascer, crescer, comprar um óculos escuro e resistir à luminosidade perniciosa.

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Recebi hoje de manhã um email que me deixou bu-zi-na-da-sil-va.

Não bu-zi-na-da-sil-va com a pessoa que me enviou (que, aliás, me fez um favor e teve que se virar para conseguir o meu contato e só o conseguiu por intermédio do clássico: esse que conhece aquele que, por sua vez, conhece aquele outro), mas mui-to-mas-mui-to-mui-to-bu-zi-na-da-sil-va com o que me foi relatado ali, in off e acontecia (e voltaria acontecer!) nos bastidores sem eu saber.

Li e tive que contar até 800 para não explodir. E depois, mais 500...

Ao perceber que a minha raiva não passaria tão cedo e que de nada adiantaria eu ficar praguejando quem não sabe perder com dignidade, decidi agir em minha defesa. Em três horas juntei uma papelada que encheu uma pasta. Exames, atestados, diagnósticos... provas e contra-provas. 

Resultado? Cinquenta por cento do meu arsenal já está prontinho, só esperando que a inimiga saia de trás da moita para que eu possa pegá-la com as calças na mão. 

Nos próximos dias ainda terei que correr atrás do que falta, sorte minha que tenho tempo. Lamento muito que tenha que ser assim, mas tapetão e canetaço pra cima de mim não vai rolar mesmooooooo!

Sigo indignada. Muito indignada. E o pior é que não posso deixar transparecer que sei de alguma coisa. Por uns 15 dias vou ter que aguentar no osso, levando na boa. Haja sangue frio! Enquanto não posso usar da forma oral, vou desabafando por aqui.

É impressionante a que ponto as pessoas chegam para conseguirem alcançar um objetivo. Algumas são capazes de passar por cima de qualquer coisa, inclusive do que se entende por ética.

Ética não é uma disciplina que se aprende na escola, não é algo que se possa decorar lendo e sequer é uma doutrina que possa ser seguida. 

A ética é o que fica da vida que a gente leva, de cada escolha que a gente faz. É o saldo que nos resta de cada ação que praticamos no nosso dia a dia.  

A felicidade que hoje se tira dos outros, diminui ali na frente muito mais da gente mesmo. Parece piegas? Até pode ser, mas eu acredito honestamente nisso. E digo mais... Quem tem o coração cheio de amor, tem ética naturalmente.

Ético é aquele que não está preocupado com a reputação, mas com o caráter. Ético é aquele que se esforça para fazer o bem e não para parecer bondoso. Ético é aquele que em respeito ao sentimento do outro toma cuidado com as palavras que usa quando se refere a ele. Ético é aquele que enxerga além do seu umbigo e se coloca no lugar da outra pessoa. Ético é aquele que sabe perdoar, deixando espaço livre na memória para uma nova chance. Ético é aquele que se preocupa com o aprendizado muito mais do que com a vitória. 

A ética é a linha divisória entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, entre o moral e o imoral, entre a lisura e o mau-caratismo. Ninguém nasce sabendo tudo sobre ética e da mesma forma ninguém morre tendo esgotado tal conhecimento. A ética é algo que se aprende e se acumula ao longo de toda uma vida.    

Por exemplo...

Quando tomamos real consciência de que grana, conforto e status são apenas privilégios e não direitos, estamos aprendendo sobre ética.

Quando olhamos o emprego dos outros e enxergamos ali o seu ganha-pão, estamos aprendendo sobre ética.

Quando apesar de todos os nossos problemas, sentimos que o amor se esconde por trás de cada sílaba que pronunciamos, estamos aprendendo sobre ética.

Quando aceitamos a derrota ao mesmo tempo em que encontramos novas forças para lutar com dignidade, estamos aprendendo sobre ética.

Para encerrar meu desabafo...

Ética é o que nos permite ao final de cada dia deitar a cabeça no travesseiro e ter a certeza de que vamos poder dormir O Sono dos Justos.
Eu tenho dormido bem ultimamente, e justiça é uma palavra que me agrada muito.

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Você já parou para pensar que desenvolvemos uma incapacidade praticamente inarredável de não conseguir conviver com os paradoxos da vida?

Parece que fomos doutrinados a condicionar a nossa felicidade à necessidade de que tenhamos sempre em
mãos uma solução definitiva para todos os nossos problemas.

Portamo-nos como se todas as coisas, obrigatoriamente, tivessem que ter uma definição categórica - ou deve-se fazer isso ou deve-se fazer aquilo.

Incorporamos uma filosofia de vida em que para ser feliz nada pode ficar em 'stand by'. E assim passamos a nos cobrar diariamente atitudes objetivas e categóricas - PRA ONTEM.

Não é brincadeira, mas na Grécia antiga houve um tempo em que os dilemas da alma não precisavam ser resolvidos. Durante um longo período na História da humanidade os gregos aceitaram a existência do paradoxo. Isto é, enquanto vigorou essa idéia, sequer existiam as figuras do certo e do errado. Ou seja, quando eles não tinham certeza sobre algo, a dúvida não representava necessariamente um problema, nem mesmo obrigava a uma resolução imediatista e temerária. Sabiamente, trabalhavam com a possibilidade real de que a verdade sempre pudesse vir à tona num momento seguinte e oportuno.

Só por volta de 515 a.C. é que surgiram as figuras lógicas(?) do certo e do errado presentes na discurseira de Platão. Assim, todas as dúvidas existenciais deveriam ser resolvidas mediante a eliminação obrigatória de uma das alternativas para que, enfim, se pudesse deixar a verdade brotar de maneira pura e absoluta no universo do pensamento.

Pronto. Platão nos fez esse favor(?) de instituir a 'imposição de escolhas'.
Graças a ele(grrrrr), a partir de então, todos os sentimentos ambíguos passaram a ser severamente rechaçados devendo ser resolvidos a qualquer custo.

- Mas que belo espólio nos deixaste, Seu Platão! Se hoje pensamos assim, é Graças ao Senhor que, por passar as noites queimando os miolos filosofando sobre tudo e subjetivando sobre o nada, um dia se cansou dos paradoxos da vida e resolveu disseminar uma corrente mundo afora de que o que era 'in' na época era não procrastinar mais nada. Batata! A bucha veio estourar na gente. Êta lábia ...

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Se tem um naipe de gente que eu - muito profunda e sinceramente abomino - são as pessoas esganadas. Sei que esganado é também sinônimo de quem é sovina e pão-duro (*o que também é lamentável), mas por hora, me refiro especialmente àquelas pessoas que, dominadas pela gula, perdem a elegância, a etiqueta e qualquer senso de educação.

Fome sinto eu, sente você e sentimos todos. Aquela vontade louca de devorar um doce que só de pensar dá água na boca, idem. E, certamente, não há quem um dia não tenha ficado apreensivo numa fila de padaria torcendo para que a fornada de paezinhos francesses não sublimasse antes que a sua vez de fazer o pedido no balcão chegasse. E nem por isso perdemos a classe e esquecemos os bons modos. Acima de tudo, civilidade.

...
Estava no shopping quando fui totalmente seduzida (hipnotizada e abduzida) por aquela tentação denominada fondue de chocolate com frutas. Não pensei duas vezes: entrei na loja e fiz o pedido.

À minha frente, umas cinco pessoas aguardavam a moça preparar os potinhos e, logo atrás de mim, uma senhora com seu marido e filhos. Enquanto esperava a minha vez, fiquei encantada admirando aquele chafariz de chocolate a partir do qual o fondue era preparado. Impossível não pensar em mergulhar de biquinho naquela gostosura dos deuses (entre outras coisas mais, o que não vem ao caso, mas enfim...). Já refeita da minha rápida alucinação gastro-erótica, percebi que a tal senhora que havia pago no caixa depois de mim, estava aflita grudada às minhas costas. Me senti incomodada. Num sutil sinal de desagrado, dei um passo para a frente. Não adiantou - ainda assim sentia o bafo da criatura agonizante no meu gangote. Dei mais outro e ignorei.

Chegada a minha vez, entreguei o ticket e pedi para que o meu fondue fosse só de morango com chocolate. A atendente pegou o papelzinho e solicitou que eu aguardasse um instante porque iria buscar mais frutas. Enquanto isso, acabei me distraindo verificando o preço de uma cesta e outras caixas de bombons para presente que estavam na prateleira ao lado. Só sei que quando ouvi a funcionária pronunciar o 'moça, seu fondue', a senhora gulosa que se assemelhava a uma gêmea xifópaga da minha sombra, já tinha se bocado no meu potinho. E mais... sem perder tempo, devorava a primeira colherada e se lambia gemendo de olhos fechados no melhor estilo Ana Maria Braga.

A mulher se afundou de uma forma naquele pote que quando a atendente da loja pensou em alertar a esganada de que acabara de furar a fila, o trator de esteira já estava na segunda ou terceira colherada.

Não que eu seja uma lady, aliás, passo longe desse conceito e, normalmente, rodo a baiana em situações assim, mas, confesso que fiquei sem reação. Emudeci olhando aquela infeliz levando a todo instante a colher à boca como quem chega ao posto de gasolina com três quartos de tanque cheio e pede para o frentista completá-lo a fim de mantê-lo sempre transbordando pelo gargalo. Deprimente.

O pior é que as pessoas sempre se superam. Depois de levar um cutucão do marido, a morta de fome virou para mim, com os dentes pretos de chocolate e a boca remelenta, dizendo:

- Ah, querida, me desculpe. É que não me aguentava mais de fome e sou uma senhora e você que é novinha, tem uma vida inteira para esperar na fila.

Juro.... Me veio um dicionário inteiro de palavras chulas e impublicáveis em mente. Pensei em dizer poucas e boas para aquela estivadora desprovida de educação e cheguei a ensaiar abrir a boca para detonar aquela mulher. Até agora não sei como, naquele momento, um Dalai Lama baixou em mim. Respirei fundo, sacudi a cabeça negativamente e me mantive calada. Era caso perdido. Tanto é verdade, que tão logo me desaforou dizendo aquele absurdo, já tratou de recomeçar a lavourar o meu ex fondue novamente.

Fiz cara de reprovação, virei de costas e pensei: 'Tomara que se engasgue'.

Acho que deve ter passado um anjo e dito amém. Tamanha era a gula da mulher que de fato se engasgou e começou a tossir, enquanto o marido, envergonhado, dava tapinhas nas suas costas e as outras pessoas riam da mal-educada.

...

Não dá para ser boazinha o tempo inteiro e sei que é politicamente incorreto dizer. Mas que foi bem feito... ahhh... isso foi!

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Não existe outro sentimento no mundo que nos faça mais feliz do que carregar no coração a certeza de que se ama alguém, ao mesmo tempo em que se contempla infinitas fagulhas de reciprocidade nos olhos e nas atitudes dessa pessoa por quem nos apaixonamos. Amar e ser amado é um dos binômios da felicidade.

O amor está em toda parte. Onde quer que se vá, o que quer que se pense, independente do caminho que se escolha, o amor estará lá, feito um holofote a iluminar as boas lembranças de um passado, as coerências duvidosas do presente e as incertezas esperançosas do futuro. O amor é o que nos une, o que nos rege, o que nos salva e o que nos mantém vivos.

Apesar de nem todos os amores serem eternos, nem todos os amores serem sinceros, nem todos os amores serem justos e nem todos os amores serem pacíficos - (sim, porque existem infinitas formas de amar e ser amado) - é sobretudo a certeza desse sentimento que nos acena com a possibilidade real de nos tornarmos pessoas melhores nesse mundo.

É por isso que quando o amor nos dá adeus, muito mais que a dor da perda, da ausência do outro, da rejeição do que se ofereceu, dos detalhes encravados na memória, das lembranças que se esvaem com o tempo, ..., ainda maior que tudo é a saudade que sentimos de quem éramos enquanto amávamos. Quando aquele amor que parecia ter vindo para ficar vira pó, acabamos nos tornando órfãos melancolicamente saudosos de nós mesmos.

Não tem como se saber o momento exato em que o amor se esvai. Podemos culpar as brigas homéricas, as indiferenças rançosas, as distâncias geográficas e afetivas, os terceiros e quartos que cruzam os caminhos, as circunstâncias(!) pouco sinceras de um e de outro, e até as incompatibilidades nisso ou naquilo... Até hoje não sei se somos nós que fingimos não perceber quando ele parte, ou se ele discretamente escorre por entre os nossos dedos enquanto tentamos de todas as formas agarrá-lo. Mas do que todo mundo que um dia já amou sabe, é da tristeza que é perder a certeza do amor de alguém ou quando nós mesmos deixamos de amar.

...

Agora quero falar de uma categoria excepcionalíssima de amor...

Existem amores que, além de serem mais eternos do que os que já foram eternizados nas gavetas da nossa memória, conseguem ser ainda mais amores do que qualquer um que um dia já tenha usucapido o nosso coração. E são justamente esses amores que são elevados à condição de sagrados e intocáveis.

É possível que isso explique aquela sensação de incredulidade absoluta e de vazio descomunal que nos arrebata quando nos damos conta de que deixamos de ser importantes e amados e, principalmente, quando percebemos que aquele sentimento, intrínseco a nós mesmos, e que julgávamos ser infinito, não tem mais razão de ser, caducou, expirou.

Independentemente de motivações outras, um amor que se termina assim leva consigo uma parte da gente. Mesmo que um dia nos arrisquemos e até aprendamos a amar de novo, aquilo que se perdeu jamais se encontrará em outro alguém. Mesmo que sejamos nós que tenhamos deixado de acreditar no amor.

Existe um luto inconsolável e irremediável em deixar de crer no amor. Porque é uma parte de nós mesmos que estamos matando, e é de uma parte da nossa própria história, escrita a quatro mãos, que estamos abdicando. Perde tanto quem deixa de acreditar quanto quem deixa de ser amado. Simplesmente, porque quando o amor fecha as portas, não há como consagrar vencedores. Perco eu. Perde você. Esvaziamos nós.


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Era uma vez um muro que separava dois povoados completamente distintos: o povo do lado de cá e as inabaláveis pessoas do lado de lá. Reza a lenda que já chegaram a ser uma grande cidade, mas não prosperaram unidos e, por isso, acabaram emancipando-se e construindo o tal muro que representava a discórdia.

...

O povo do lado de cá vivia na corda bamba. Eram verdadeiros equilibristas da vida, cambaleando o tempo todo entre a sanidade e a insanidade de seus pensamentos. Em termos factíveis, no entanto, sempre respeitaram os limites morais, além dos geográficos há muito impostos pelo convívio e também pela linha divisória.
 
Neste lado do muro as pessoas eram simples, modestas e orgulhavam-se de conquistar as coisas com muito trabalho e suor. O povo do lado de cá nunca soube de tudo e tampouco um dia aspiraram saber. Por ali, jamais alguém foi premiado com um Nobel.

Além disso, sob o ponto de vista demasiadamente crítico de alguns, eram um povo que andava literalmente na contramão das tendências. Para economizar, curtiam a praia no inverno e as montanhas no verão; comiam peru na Páscoa e cordeiro no Natal; aproveitavam as liquidações de verão p/ comprar as roupas no inverno.
 
É bem verdade que eles não se importavam com a opinião alheia, talvez por isso, nada os impedisse de quebrar as mais variadas regras de etiqueta como, por exemplo, gargalhar alto quando bem quisessem, comer pipoca com bala de goma na hora do almoço e de passear de chinelo em avenidas movimentadas e nada arborizadas.

Eram saudosistas ao extremo. Geração após geração, os pais, orgulhosos de seus ancestrais, contavam aos filhos a história daquele povoado - desde quando não havia nem rastro do muro. Apesar da discórdia e da barreira física que os mantinham separados, não demonstravam rancor em relação às pessoas do outro lado e nada os impedia de relembrar dos bons momentos vividos e de imaginar como teria sido se o muro nunca tivesse sido construído.
 
A fé era uma prerrogativa constante em suas vidas. Acreditavam em Deus, na Criação, muito embora tivessem uma profunda convicção de que também cada um deles deveria fazer a sua parte. Consequentemente, para as pessoas que moravam neste povoado, nenhuma força suprema as protegia de todo e qualquer mal. Se estavam todos bem era porque haviam de alguma forma conquistado tal merecimento - porque era dever de cada um construir a própria felicidade, respeitando a do próximo.
 
No entanto, quando não estavam todos bem, não viam mal algum em deixar transparecer seu estado de espírito - afinal, todos têm problemas e não há porque se envergonhar de demonstrar fraqueza nos momentos de dificuldade.
 
Este povo nunca foi imune aos percalços da vida e, corajosamente, jamais perdera a esperança.
 
...

 
Já as inabaláveis pessoas do lado de lá acreditavam viver sob um escudo protetor divino e intransponível. Eram OS ESCOLHIDOS – pensavam assim. E em razão de tal crença criaram o lema do “nada de mal nos alcança”.
 
Apesar de não manterem contato com o povo do outro lado, frequentemente, tinham notícias dos seus vizinhos de muro.
- Ontem, do outro lado do muro, um trabalhador da construção civil caiu do 5° andar e morreu – leu a notícia em voz alta uma senhora de 77 anos sentada na cadeira da manicure.
- Que coisa... Ainda bem que fatos dessa natureza não acontecem com a gente, estamos blindados. Nada de mal nos alcança! Aleluia! – exclamou a moça loira que folheava desinteressadamente uma revista de moda.
 
Eram iluminados. Falavam em ocasiões. Entendiam de vinhos. Eram sentinelas das virtudes. Jamais perdiam o sono. - “Nada de mal nos alcança” -.
Eram pessoas cultas. Dinheiro algum lhes faltava. Almejavam grandes postos. Nunca eram pegos de surpresa por uma frente fria. Seus jardins floresciam o ano inteiro. – “Nada de mal nos alcança”-.

Assistiam aos outros que padeciam de proteção. Seus carros nunca estragavam. Todas as manhãs tinham gosto de domingo. Nunca se arrependiam de nada. Suas casas não precisavam ser gradeadas. – “Nada de mal nos alcança” -.
Dominavam quatro ou cinco idiomas. Seu trânsito nunca engarrafava. Ninguém infringia a lei. Dor de cabeça alguma lhes incomodava. Eram exímios jogadores. – “Nada de mal nos alcança” - .
 
...

Ninguém nunca percebeu mas desde que o muro fora erguido, aquele conglomerado de tijolos vinha sendo o local escolhido por gerações de joôes-de-barro que ali se sucediam na construção de seus novos lares.
 
Sempre que um casal de joão-de-barro falecia, uma nova dupla imediatamente tomava o posto do anterior e, aos poucos, moldava sua nova casa.
 
Discretos e silenciosos, ano após ano, nos momentos de descanso, esses pássaros adquiriram o hábito de ficar observando o movimento das pessoas que habitavam os dois povoados.
 
Achavam curiosas as atitudes, duvidavam de algumas motivações e surpreendiam-se com as nuances de verdade que por vezes só eles percebiam irradiarem dos olhares daqueles que passeavam despreocupadamente por ali.
- Ainda bem que não somos humanos – num belo dia suspirou e filosofou a passarinha.
- Você está louca, meu bem? Eles estão anos-luz na nossa frente – retrucou o passarinho indignado.
 
Antes de responder, a passarinha ainda teve tempo de agradecer ao bom Deus por ter nascido ave e ter ao seu lado, João, seu companheiro. Feito isto, concluiu:
- Sim, mas de quê adianta tanta evolução? Nunca serão verdadeiramente livres e mesmo que lhes fossem concedidas asas, não saberiam porque e nem p/ onde voar.


A propósito...
 
I told you
That we could fly
'Cause we all have wings
But some of us don't know why.

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Reabilitar. Reagir. Reacender. Readmitir. Realizar. Reanimar. Reaprender. Reaproveitar. Reaproximar. Reavivar. Rebaixar. Receber. Rechaçar. Recobrar. RECOMEÇAR. Reconhecer. Reconsiderar. Reconstruir. Recordar. Recriar. Recrudescer. Recuperar. Reeditar. Reencontrar. Reerguer. Refazer. Refletir. Reforçar. Refrear. REGAR. Regressar. Reiniciar. Reinserir. Reiterar. Reivindicar. Rejubilar. Relaxar. Relegar. Relembrar. Reluzir. Rememorar. Renascer. Renunciar. Repensar. REPRISAR. Requentar. Resgatar. Resguardar. Resignar. Resolver. Respaldar. Respirar. Resplandecer. Ressurgir. Restabelecer. Restaurar. Restringir. Retomar. Retornar. RETRIBUIR. Reunir. Revelar. Rever. Reverberar. Reverter. Revestir. Revigorar. Revirar. Revisar. Reviver. Revoar. Revogar. Revolucionar. REVOLVER A VIDA E COMEÇAR TUDO NOVO, DE NOVO.

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